Princípio da incerteza de Heisenberg

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O princípio da incerteza consiste num enunciado da mecânica quântica formulado em 1927 por Werner Heisenberg. Tal princípio estabelece um limite na precisão com que certos pares de propriedades de uma dada partícula física, conhecidas como variáveis complementares (tais como posição e momento linear), podem ser conhecidos. Em seu artigo de 1927, Heisenberg propõe que em nível quântico quanto menor for a incerteza na medida da posição de uma partícula, maior será a incerteza de seu momento linear e vice-versa.[1]

O princípio da incerteza é um dos aspectos mais conhecidos da física do século XX e é comumente apresentado como um exemplo claro de como a mecânica quântica se diferencia das premissas elementares das teorias físicas clássicas.[2] Isso porque na mecânica clássica quando conhecemos as condições iniciais conseguimos com precisão determinar o movimento e a posição dos corpos de forma simultânea. Ainda que o princípio da incerteza tenha sua validade restrita ao nível subatômico, ao inserir valores como indeterminação e probabilidade no campo do experimento empírico, tal princípio constitui uma transformação epistemológica fundamental para a ciência do século XX.[3] Essa transformação conduziu à discrepâncias na interpretação do conteúdo físico, surgindo versões conceitualmente distintas para as relações de incerteza, podendo ser interpretadas como relações de incerteza ou indeterminação.[4]

Índice

  • 1Expressão
  • 2Natureza da medida em mecânica quântica
  • 3Observáveis e operadores
  • 4O papel do princípio da incerteza nas formulações modernas da mecânica quântica
  • 5Ver também
  • 6Referências
  • 7Bibliografia
  • 8Ligações externas

Expressão

Pode-se exprimir o princípio da incerteza nos seguintes termos:

O produto da incerteza associada ao valor de uma coordenada xi e a incerteza associada ao seu correspondente momento linear pi não pode ser inferior, em grandeza, à constante reduzida de Planck. [5]Em termos matemáticos, exprime-se assim:

{\displaystyle \Delta x_{i}\Delta p_{i}\geq {\frac {\hbar }{2}}}

onde {\displaystyle \hbar } é a Constante de Planck (h) dividida por 2π.

A explicação disso não é fácil de se entender, e fala mesmo em favor da intuição, embora o raciocínio clássico e os aspectos formais da análise matemática tenham levado os cientistas a pensarem diferentemente por muito tempo. Quando se quer encontrar a posição de um elétron, por exemplo, é necessário fazê-lo interagir com algum instrumento de medida, direta ou indiretamente. Por exemplo, faz-se incidir sobre ele algum tipo de radiação. Tanto faz aqui que se considere a radiação do modo clássico - constituída por ondas eletromagnéticas - ou do modo quântico - constituída por fótons. Caso se queira determinar a posição do elétron, é necessário que a radiação tenha comprimento de onda da ordem da incerteza com que se quer determinar a posição.[6]

Neste caso, quanto menor for o comprimento de onda (maior frequência), maior será a precisão. Contudo, maior será a energia cedida pela radiação (onda ou fóton) em virtude da relação de Planck entre energia e frequência da radiação

{\displaystyle E=h\cdot \nu }

e o elétron sofrerá um recuo tanto maior quanto maior for essa energia, em virtude do efeito Compton. Como consequência, a velocidade sofrerá uma alteração não de todo previsível, ao contrário do que afirmaria a mecânica clássica.

Argumentos análogos poderiam ser usados para se demonstrar que ao se medir a velocidade com precisão, alterar-se-ia a posição de modo não totalmente previsível.

Resumidamente, pode-se dizer que tudo se passa de forma que quanto mais precisamente se medir uma grandeza, forçosamente mais será imprecisa a medida da grandeza correspondente, chamada de canonicamente conjugada.

Algumas pessoas consideram mais fácil o entendimento através da analogia. Para se descobrir a posição de uma bola de plástico dentro de um quarto escuro, podemos emitir algum tipo de radiação e deduzir a posição da bola através das ondas que "batem" na bola e voltam. Se quisermos calcular a velocidade de um automóvel, podemos fazer com que ele atravesse dois feixes de luz, e calcular o tempo que ele levou entre um feixe e outro. Nem radiação nem a luz conseguem interferir de modo significativo na posição da bola, nem alterar a velocidade do automóvel. Mas podem interferir muito tanto na posição quanto na velocidade de um elétron, pois aí a diferença de tamanho entre o fóton de luz e o elétron é pequena. Seria, mais ou menos, como fazer o automóvel ter de atravessar dois troncos de árvores (o que certamente alteraria sua velocidade), ou jogar água dentro do quarto escuro, para deduzir a localização da bola através das pequenas ondas que baterão no objeto e voltarão; mas a água pode empurrar a bola mais para a frente, alterando sua posição. Desta forma torna-se impossível determinar a localização real desta bola, pois a própria determinação mudará a sua posição. Apesar disto, a sua nova posição pode ser ainda deduzida, calculando o quanto a bola seria empurrada sabendo a força das ondas obtendo-se uma posição provável da bola e sendo provável que a bola esteja localizada dentro daquela área.

Natureza da medida em mecânica quântica

Como se pode depreender da argumentação acima exposta, a natureza de uma medida sofre sérias reformulações no contexto da mecânica quântica. De fato, na mecânica quântica uma propriedade leva o nome de observável, pois não existem propriedades inobserváveis nesse contexto. Para a determinação de um observável, é necessário que se tenha uma preparação conveniente do aparato de medida, a fim de que se possa obter uma coleção de valores do ensemble de entes do sistema. Se não puder montar, ao menos teoricamente (em um Gedankenexperiment) uma preparação que possa medir tal grandeza (observável), então é impossível determiná-la naquelas condições do experimento.

Uma comparação tornará mais clara essa noção. No experimento de difração da dupla fenda, um feixe de elétrons atravessando uma fenda colimadora atinge mais adiante duas outras fendas paralelas traçadas numa parede opaca.

Do lado oposto da parede opaca, a luz, atravessando as fendas simultaneamente, atinge um anteparo. Se se puser sobre este um filme fotográfico, obtém-se pela revelação do filme um padrão de interferência de zonas claras e escuras. Esse resultado indica uma natureza ondulatória dos elétrons, resultado esse que motivou o desenvolvimento da mecânica quântica.

Entretanto, pode-se objetar e afirmar-se que a natureza dos elétrons seja corpuscular, ou seja, composta de partículas. Pode-se então perguntar por qual fenda o elétron atravessou para alcançar o anteparo. Para determinar isso, pode-se pôr, junto de cada fenda, uma pequena fonte luminosa que, ao menos em princípio, pode indicar a passagem dos elétrons por tal ou qual fenda. Entretanto, ao fazê-lo, o resultado do experimento é radicalmente mudado. A figura de interferência, antes presente, agora dá lugar a uma distribuição gaussiana bimodal de somente duas zonas claras em meio a uma zona escura, e cujos máximos se situam em frente às fendas.

Isso acontece porque as naturezas ondulatória e corpuscular do elétron não podem ser simultaneamente determinadas. A tentativa de determinar uma inviabiliza a determinação da outra. Essa constatação da dupla natureza da matéria (e da luz) leva o nome de princípio da complementaridade.

Essa analogia serve para mostrar como o mundo microfísico tem aspectos que diferem significativamente do que indica o senso comum.

Para se entender perfeitamente o alcance e o real significado do princípio da incerteza, é necessário que se distingam três tipos reconhecidos de propriedades dinâmicas em mecânica quântica:

  1. Propriedades compatíveis: são aquelas para as quais a medida simultânea e arbitrariamente precisa de seus valores não sofre nenhum tipo de restrição básica. Exemplo: a medição simultânea das coordenadas x, y e z de uma partícula. A medição simultânea dos momentos px,py e pz de uma partícula.
  2. Propriedades mutuamente excludentes: são aquelas para as quais a medida simultânea é simplesmente impossível. Exemplo: se um elétron está numa posição xi, não pode estar simultaneamente na posição diferente xj.
  3. Propriedades incompatíveis: são aquelas correspondentes a grandezas canonicamente conjugadas, ou seja, aquelas cujas medidas não podem ser simultaneamente medidas com precisão arbitrária. Em outras palavras, são grandezas cujas medidas simultâneas não podem ser levadas a cabo em um conjunto de subsistemas identicamente preparados (ensemble) para este fim, porque tal preparo não pode ser realizado. Exemplos: as coordenadas x,y e z e seus correspondentes momentos px,py e pz, respectivamente. As coordenadas angulares θi e os correspondentes momentos angulares Ji.

Observáveis e operadores

No formalismo matemático da mecânica quântica, os observáveis são representados por operadores matemáticos sobre um espaço de Hilbert.

Esses operadores podem ser construídos a partir de seus equivalentes clássicos.

Na formulação de Heisenberg, as relações da incerteza podem ser dados na forma de um operador comutador, que opera sobre dois outros operadores quaisquer:

{\displaystyle [A,B]\equiv AB-BA}

onde A e B são operadores quaisquer.

No caso das relações de incerteza:

{\displaystyle [X_{k},B_{l}]=i\hbar \delta _{kl}\mathbb {I} }

Dirac notou a semelhança formal entre o comutador e os parênteses de Poisson. Sabedor da equivalência usada por Schrödinger quando este postulou a forma da equação de onda, Dirac postulou as seguintes equivalências, que valem como receita para se acharem os operadores quânticos correspondentes a grandezas clássicas:

{\displaystyle coordenada\ x_{k}\to operador\ X_{k}}{\displaystyle momento\ p_{l}\to operador\ {\frac {\hbar }{i}}{\frac {\partial }{\partial x_{k}}}}{\displaystyle \left\{x_{k},p_{l}\right\}\to {\frac {1}{i\ \hbar }}\cdot \left[X_{k},P_{l}\right]}

A descrição ondulatória dos objetos microscópicos tem consequências teóricas importantes, como o princípio da incerteza de Heisenberg. O fato de os objetos microscópicos, em muitas situações, terem uma localização no espaço mesmo que aproximada, implica que não podem ser descritos por uma onda com um só comprimento de onda (onda plana), pois esta ocuparia todo o espaço. É necessária uma superposição de comprimentos de ondas diferentes para se obter um "pacote" de ondas mais bem localizado e que represente o objeto microscópico.

O papel do princípio da incerteza nas formulações modernas da mecânica quântica

Hoje em dia, o princípio da incerteza é importante principalmente por dois motivos: um histórico e outro didático. Ambos são análogos: o princípio da incerteza mostra de maneira clara que concepções clássicas a respeito da medida devem ser abandonadas.

No entanto, o princípio da incerteza *não* é um bom princípio (ou postulado) da mecânica quântica, já que é inexato e pouco geral. A mecânica quântica não-relativística é totalmente descrita com alguns postulados, dos quais as relações de incerteza de Heisenberg surgem de forma pouco natural. Mas o espírito do princípio da incerteza é mantido: não se pode ter um sistema que, ao ser medido, tenha a probabilidade 1 de se encontrar tanto uma ou outra grandeza, se essas grandezas corresponderem a operadores que não comutam. Iremos explicar isto melhor adiante:

Todas as grandezas que podem ser medidas correspondem aos chamados "autovalores" de certos objetos matemáticos chamados de operadores (na verdade, a natureza requer que esses operadores sejam de uma classe especial, a dos "observáveis"). Chamemos um operador qualquer de A, e chamemos seus autovalores de a_n (a_1 é um autovalor, a_2 é outro e assim por diante). Existem estados quânticos, chamados "autoestados" (que representaremos por }">{\displaystyle |\phi _{n}>}">) do operador A, nos quais uma medida tem 100% de chance de encontrar o valor a_n. Esses autoestados e esses autovalores são definidos pela seguinte equação:

=a_{n}|\phi _{n}>}">{\displaystyle A|\phi _{n}>=a_{n}|\phi _{n}>}=a_{n}|\phi _{n}>">

Um operador é dito um observável se esses autoestados }">{\displaystyle \phi _{n}>}"> formarem uma "base". Diz-se que um grupo qualquer de estados quânticos formam uma base se qualquer outro estado quântico puder ser escrito como uma superposição deles. Ou seja, para qualquer estado quântico }">{\displaystyle |\Psi >}">,

=\sum c_{n}|\phi _{n}>}">{\displaystyle |\Psi >=\sum c_{n}|\phi _{n}>}=\sum c_{n}|\phi _{n}>">

Onde os coeficientes {\displaystyle c_{n}}, em geral complexos, indicam o quanto os autoestados correspondentes }">{\displaystyle |\phi _{n}>}"> influenciam no estado resultante, }">{\displaystyle |\Psi >}">. Um dos postulados da mecânica quântica diz que a probabilidade de uma medida da grandeza A revelar o valor a_n é:

{\displaystyle P(a_{n})=|c_{n}|^{2}}

Quando o sistema está no autoestado }">{\displaystyle |\phi _{n}>}">, o postulado acima mostra que a probabilidade de se encontrar o valor a_n correspondente é 100%. Assim, pode-se dizer que o sistema *possui a grandeza A bem definida*.

Agora consideremos dois operadores A e B, como o operador da posição e o operador do momento. Em geral, os autoestados de um operador não são os mesmos autoestados do outro operador. Consequentemente, se o sistema está em um estado quântico onde a grandeza A é bem definida, a grandeza B não será bem definida. Ou seja, haverá uma "incerteza" na grandeza B.

Mas, e se o sistema estiver num estado onde a grandeza A é bem definida, e efetuarmos uma medida na grandeza B? Pode-se pensar que, então, saberemos exatamente o valor de ambas as grandezas. Mas isso está errado, devido a outro dos postulados da mecânica quântica: se uma medida de uma grandeza qualquer B revela o valor b_n, então o sistema *é perturbado pela medida*, e passa para o autoestado }">{\displaystyle |\phi _{n}>}"> correspondente à grandeza A_n.

Então, suponha que dois operadores A e B não possuem os mesmos autoestados. Se efetuarmos em um sistema qualquer a medida da grandeza A, e encontrarmos um certo valor, o sistema se torna um autoestado de A, com um valor bem definido de A e uma incerteza no valor de B. Se, após isso, efetuarmos uma medida no valor de B, então lançamos o sistema num autoestado de B, com um valor bem definido de B e uma incerteza no valor de A. Com isso, dizemos que é impossível saber simultaneamente o valor da grandeza A e da grandeza B.

A incerteza entre a posição e o momento proposta por Heisenberg é, então, uma consequência dos postulados da mecânica quântica, e não um postulado por si só.

Ver também

O Commons possui uma categoria contendo imagens e outros ficheiros sobre Princípio da incerteza de HeisenbergO Wikilivros tem um livro chamado Física quântica para crianças

  • Introdução à mecânica quântica
  • Teoria quântica de campos
  • Interpretações da mecânica quântica

Referências

  1. ↑ Werner Heisenberg (março de 1927), Über den anschaulichen Inhalt der quantentheoretischen Kinematik und Mechanik, ISSN 1434-6001 (em inglês), 43 (3-4), pp. 172-198, doi:10.1007/BF01397280, Wikidata Q29011814
  2. Verbete sobre o Princípio da Incerteza na Enciclopédia de Filosofia de Stanford (em inglês), Wikidata Q104025860
  3. ↑ conforme Gaston Bachelard (1937), L'expérience de l'espace dans la physique contemporaine, Paris: Alcan, Wikidata Q104026526
  4. ↑ Silvio Seno Chibeni (junho de 2005), «Certezas e incertezas sobre as relações de Heisenberg», Revista Brasileira de Ensino de Física, ISSN 0102-4744, 27 (2): 181-192, doi:10.1590/S1806-11172005000200002, Wikidata Q97088557
  5. Princípio da Incerteza no ambiente de exploração de conceitos HyperPhysics (em inglês), Wikidata Q104029957
  6. ↑ Ramayana GAZZINELLI (2013), Quem tem medo da física quântica, Universidade Federal de Minas Gerais, Wikidata Q104034151

Bibliografia

  • José Leite Lopes (1993), A Estrutura quântica da matéria: do átomo pré-socrático às partículas elementares, ISBN 85-7108-066-6, Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Ciências, Wikidata Q104034652
  • José J.C Teixeira Dias, Química Quântica - Fundamentos e Métodos, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, Wikidata Q104035606
  • ASIMOV, Isaac. O que é o Princípio da Incerteza de Heisenberg? In: ASIMOV, Isaac. Asimov Explica. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1986. 3ª Edição. (Trad. Edna Feldman.) Disponível em: [1]. Acesso em: 4/11/2018.

Ligações externas

  • Asimov explica o Princípio da Incerteza

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